Al Capone, Carlos Ghosn e a “sonegação fiscal”
Em 1931, após várias tentativas frustradas do governo americano para derrubar Al Capone, o agente especial do Tesouro Americano, Elliot Ness, conseguiu prender o gangster por sonegação fiscal, posteriormente condenado a 11 anos de prisão.
Em 2018, justamente no período de maior acirramento da política corporativa do grupo Renault-Nissan em torno da proposta de fusão definitiva das duas montadoras, Carlos Ghosn é preso no Japão sob a mesma acusação que levou Al Capone à prisão 87 anos antes.
No caso do Al Capone, a fraude fiscal foi a maneira encontrada pelo governo americano para colocar atrás das grades um gangster responsável por uma série de assassinatos, redes de contrabando e extorsões a partir de Chicago.
Estas, de fato, eram as principais preocupações do governo americano; o crime fiscal foi só a justificativa jurídica para conseguir tirar Al Capone de circulação, visto que as tentativas de prendê-lo por conta dos crimes hediondos foram todas frustradas repetidamente.
Já no caso do Ghosn, as “acusações” que pesam sobre sua vida pregressa à prisão por sonegação fiscal são: (1) reestruturar, em fases distintas, a Renault, Nissan e Mitsubishi, tirando-as da beira da falência e elevando-as, juntas, à liderança do mercato global; (2) ser ovacionado como um dos maiores gestores da atualidade, tema de mangás, capa de revistas etc.; (3) ser o propopositor da fusão definitiva da Renault-Nissan, enfrentando forte oposição por parte do Conselho administrativo da montadora japonesa.
Em tal proposta de fusão há também pressão por parte do governo francês, que é acionista com direito a voto na Renault, para que haja a fusão definitiva das montadoras. E com uma futura fusão, o Estado francês seria um acionista importante na gigante do setor automobilístico.
Teria sido esta prisão por fraude fiscal motivada por pressão política, por grupos de interesses contrários à qualquer projeto de fusão, sobretudo envolvendo a participação de um estado estrangeiro?
Não está explícito, óbvio, mas a resistência por parte do governo japonês quanto essa presença estatal francesa no conselho de uma possível fusão Renault-Nissan, assim como pressões de lobbistas de outras corporações concorrentes não podem ser descartadas.
Ghosn pode até ter cometido fraude fiscal e se beneficiado irregularmente do patrimônio da companhia. Mas, sem dúvidas, tirá-lo da jogada, com uma justificativa como esta, a de fraude fiscal, seria uma forma de dificultar essa fusão, ou até impedi-la definitivamente, o que pode ser de grande interesse de grupos político-empresariais japoneses.
Por Marcelo Sávio